Júlio Cézar Busato

Júlio Cézar Busato, nascido em Casca, Rio Grande do Sul, compartilha sua jornada de uma família de agricultores em uma cidade de origem italiana. Na década de 1970, aos 12 anos, Júlio viu a evolução do plantio de soja no sul do Brasil. Na época, ele já ajudava na lavoura, capinando e colhendo soja.

“Meu bisavô, vindo do norte da Itália, foi um dos fundadores dessa cidade agrícola de pequeno porte. Meu avô e meu pai seguiram a tradição, tornando-se agricultores. Cresci em uma família de quatro irmãos, cultivando uma área de 86 hectares, considerados grandes na região, onde a maioria possuía entre 6 e 12 hectares.”

Ao finalizar a faculdade de agronomia em Passo Fundo-RS, a busca por oportunidades levou Júlio à Bahia. A decisão de migrar para a fronteira agrícola foi motivada pela necessidade de conseguir mais espaço e terras mais acessíveis. O negócio da família já estava consolidado no Sul, com uma alta produtividade de grãos de soja e milho, porém não havia possibilidade de expandir ao longo dos anos.

Em 1987, a família, composta por Renate (esposa), Cézar (filho, na época com nove meses de idade), Hélio (pai), Olívia (mãe) e os irmãos Roberto, Marcos e André, mudou-se para o Oeste da Bahia. A chegada ao cerrado trouxe desafios significativos, pois foi arrendada uma fazenda pronta para o plantio, porém, havia apenas uma estrada geral. Não havia acesso a telefone, energia, escolas, hospitais e infraestrutura básica, e os vizinhos mais próximos estavam a 30 km de distância.

“Nós andávamos com um pacote de bolachas ou uma garrafa de água, e engraçado que normalmente isso acontecia quando estava chovendo e você atolava. Então, já sabia que teria que caminhar toda essa distância até um vizinho e torcer para que ele estivesse lá”

Ao enfrentar a empreitada de trazer a agricultura moderna para o Oeste da Bahia, Júlio percebeu que a falta de mão de obra não era o problema central. O maior desafio estava na ausência de tecnologia adaptada à região. Numa época em que as máquinas agrícolas eram desconhecidas, o agrônomo e sua equipe decidiram agir.

Ao longo do ano, houve a capacitação de profissionais baianos, preparando-os para operar as máquinas agrícolas. Um episódio curioso revelou que alguns não sabiam ler, e então começou uma jornada para alfabetizar parte da equipe. Essa equipe, formada por moradores locais, tornou-se a melhor que Júlio já teve, destacando-se pela dedicação e vontade de aprender.

Para superar as limitações, a comunidade agrícola começou a se organizar. Reuniões informais evoluíram para eventos mais estruturados, com foco em compartilhar conhecimento sobre adubação, micronutrientes e mais. Na década de 1990, as associações desempenharam um papel crucial no desenvolvimento agrícola. Júlio Busato, sócio fundador da AIBA – Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia, foi parte integrante desse movimento. Essas associações foram fundamentais para unir os produtores, promovendo a troca de informações e facilitando o acesso à tecnologia.

A partir das associações, houve uma melhoria na organização, permitindo maior acesso à pesquisas e suporte técnico da Embrapa. Hoje, a Bahia é uma líder incontestável na produção agrícola. A região, que inicialmente plantava 180 mil hectares de soja, agora alcançou a marca de 2.7 milhões de hectares. A produção de algodão não irrigado é a maior do mundo, e a produtividade de soja e milho supera a média nacional.

A história da agricultura no Oeste da Bahia é muitas vezes contada pelos vencedores, mas Júlio garante que o caminho para o sucesso foi árduo e que nem todos conseguiram superar os desafios:

“Eu te diria assim que somente 20 a 25% conseguiram ficar. O prejuízo que eles tiveram que assumir foi alto. Muitas famílias venderam tudo o que tinham lá no Rio Grande do Sul, vieram para cá e hoje são grandes motoristas de caminhão.”

Essa é uma realidade muitas vezes ignorada: nem todos que se aventuraram na agricultura do Oeste da Bahia tiveram sucesso. A narrativa de triunfo não representa a experiência de todos. A agricultura é uma atividade repleta de riscos. A falta de chuvas, investimentos no momento errado e diversos fatores podem levar a anos difíceis e prejuízos consideráveis que contrastam com as expectativas iniciais.

Júlio também compartilha insights sobre a comercialização na região. No início, com o foco na soja, a presença da Bunge (na época, se chamava Ceval) proporcionou liquidez para os produtores venderem sua produção. A soja se consolidou como uma cultura-chave, desempenhando um papel central na cadeia alimentar global.

A introdução do milho na região foi liderada por pioneiros como Júlio Busato. Apesar dos mais céticos afirmavam que a Bahia não produziria milho, a perseverança e a correção de práticas levaram a resultados significativos. A irrigação se tornou uma peça fundamental, aumentando a produção e contribuindo para a diversificação de culturas, como o feijão.

No ano de 1989, uma seca devastadora atingiu a região, marcando um momento crítico para Júlio Busato. Como agrônomo, tratorista e até mesmo pragueiro (o contador de pragas), sua rotina intensa o mantinha na lavoura, observando diariamente o desenvolvimento das plantas.

A seca, que persistiu por 45 dias, trouxe desespero e a sensação de que toda a empreitada poderia ruir. Júlio, em um momento de incerteza, sugeriu à sua esposa Renate que talvez fosse melhor retornar ao Sul. A resposta dela foi firme: “Não, eu só vou para cima agora, você me trouxe até aqui.”

Apesar da devastação inicial, a chuva eventualmente chegou, salvando o que ainda podia ser salvo. A resiliência da soja surpreendeu, permitindo que uma colheita modesta ocorresse. No entanto, não foi suficiente para cobrir todas as despesas, deixando uma conta pendente e um desafio para o próximo ano.

Para o agricultor, a preocupação constante era garantir que a próxima safra fosse plantada. Ele sabia que a continuidade na agricultura exigia perseverança e uma visão para o futuro. O ano seguinte foi agraciado com chuvas favoráveis, resultando em uma colheita abundante e a produção de sementes. O otimismo e o trabalho árduo prevaleceram sobre as adversidades.

Havia uma dimensão emocional envolvida nesses momentos difíceis. Noites sem dormir, olhando para o céu, torcendo por chuva, e a constante incerteza que envolve a agricultura. O trabalho minucioso, a observação diária, e a responsabilidade de liderar uma família e uma fazenda exigiam mais do que conhecimento técnico; exigiam resiliência emocional.

A fé de Júlio era inabalável. Ele acreditava na chuva, não apenas como um fenômeno meteorológico, mas como uma necessidade vital para o sucesso de suas plantações. Essa crença era essencial, pois a esperança na chuva era também a esperança na sobrevivência da fazenda.

Ao refletir sobre sua riqueza ao longo dos anos, o agrônomo destaca que o verdadeiro tesouro reside nas pessoas que ele treinou e preparou para a agricultura. Começando com apenas seis pessoas, agora mais de mil famílias fazem parte desse legado. Os gerentes de fazenda que ele formou são, para ele, uma fonte de orgulho, pois acreditaram nos bons e maus momentos.

Além das pessoas, Júlio enfatiza a importância dos amigos e do conhecimento adquirido ao longo do caminho. O legado que ele está construindo, transferindo conhecimento para os filhos, que agora são agrônomos, representa o valor mais significativo para ele.

A Região Oeste da Bahia, com suas duas estações bem definidas, vasto potencial de irrigação, clima favorável e solo propício, é uma dádiva. O entrevistado compara com outras partes do mundo, onde desafios como a neve, a falta de água ou o solo impróprio para a agricultura são obstáculos constantes.

Júlio Cézar Busato exerceu um papel fundamental no desenvolvimento da região, tendo sido Presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA) e da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA). Hoje ele enxerga a união entre agricultores como vital para superar desafios como a falta de profissionais qualificados e a melhoria da infraestrutura das estradas. 

A verdadeira riqueza está na transformação das pessoas. Desde os primeiros agricultores até as gerações atuais, ele vê a formação e o treinamento das pessoas como um legado valioso. Júlio atuou na preparação de equipes e na transferência de conhecimento para as gerações futuras. A conversa termina com uma reflexão profunda de Júlio sobre como a agricultura transforma não apenas a terra, mas as vidas e as histórias das pessoas que decidem cultivar a terra. Essa transformação, diz ele, é o verdadeiro significado de Busato na agricultura.

A história de Júlio Busato é uma prova da resiliência dos agricultores diante das adversidades. Do plantio em uma fazenda arrendada à superação das dificuldades iniciais, sua jornada ilustra o espírito empreendedor que molda o setor agrícola. A Bahia se tornou o lar de uma nova etapa, onde a família Busato transformou um cenário desafiador em uma história de sucesso na agricultura. 🚜✨

Leia mais sobre a experiência única da família na Região Oeste da Bahia.

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