Alysson Paolinelli
Agrônomo visionário impulsiona agricultura sustentável no cerrado por meio da ciência e pesquisa
Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Lavras (MG), onde também foi professor difundindo os fundamentos da agricultura tropical sustentável, em 1971, assumiu a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais com o desafio de incentivar a pesquisa, a ciência e a tecnologia. Nesta entrevista, Alysson Paolinelli mostra como enxergou o potencial do cerrado para a produção agrícola e como este interesse guiou o seu trabalho ao longo desses anos.
“Primeiro lugar, eu quero agradecer essa oportunidade porque eu sei que estou falando para uma instituição que é a universidade, e a universidade, eu sempre penso, lembro e sonho com os jovens que estão lá. Eu tenho uma admiração muito grande pela juventude brasileira e eu desejo de coração que ela tenha a mesma oportunidade que eu e os meus colegas tivemos e provocar algumas modificações que ajudaram o Brasil. ”
Alysson esteve envolvido em vários projetos pioneiros de agricultura moderna, entre eles o PRODECER (Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados), instituído em 1979. O objetivo do programa foi alavancar a produção agrícola na região do Cerrados por meio de uma cooperação financeira e técnica com o Japão. Em 1974, o Brasil ainda importava mais de um terço do que consumia. Era uma prioridade valorizar a produção nacional aumentando a sua produtividade. Como especialista agrônomo, desde 1971 Paolinelli já chefiava a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais. Ele recebeu o convite do então governador Rondon Pacheco.
“Ele era um homem muito visionário, agressivo, ele era do triângulo mineiro, sangue muito mais quente. E quando eu expus para ele o que era o projeto do cerrado, ele se entusiasmou e nos autorizou a fazer, para isso nós tivemos que fazer muita coisa antes.” (Alysson Paolinelli)
O primeiro desafio foi recriar o Instituto Agronômico de Minas Gerais, fechado durante a época do regime militar. Após um mês de intensas negociações em assembleias, a proposta foi aceita pela advocacia geral do estado. Paolinelli propôs a criação do PIPA/MG (Projeto Integral de Pesquisa Agropecuária do estado de Minas Gerais) integrando universidades, institutos de pesquisa e o governo federal. Em menos de dois anos, com poucos recursos investidos, já havia 352 projetos sediados em Minas Gerais. Novas pesquisas começaram a ser desenvolvidas gerando conhecimento para a região dos cerrados.
Para apoiar o desenvolvimento desses projetos, buscaram-se referências de pesquisa no trabalho do Instituto Agronômico de Campinas (SP). Na época, o International Resource Institute da Fundação Rockefeller investiu uma grande quantidade de recursos financeiros na região do cerrado no município de Matão (SP), destacando um potencial produtivo que também poderia ser aproveitado no Instituto Agronômico em Minas Gerais. Alysson Paolinelli estava convencido de que o cerrado poderia ser modificado conseguindo recurso financeiro e assistência técnica. Era necessário começar um trabalho de base pelas famílias de agricultores que estavam se instalando:
“Foi a primeira vez que entrou uma água filtrada, foi a primeira vez que entrou eletricidade, porque o projeto previa tudo isso, foi a primeira vez que entrou o telefone, foi a primeira vez que apareceu ali a casa com todos os móveis, geladeira, isso não existia.”
Enquanto Secretário da Agricultura, Paolinelli assumiu o desafio de incorporar tecnologias e políticas de crédito para incentivar a modernização da agricultura na região. Em sua gestão criou o Programa de Crédito Integrado (PCI) para oferecer assistência técnica orientada às novas produções agrícolas.
“O projeto era projetado com o produtor, ele que sabia o que ele queria, mas nós arredondamos para eles, para que aquilo desse certo e ele tivesse as garantias com o terreno, não era fácil, eram agrônomos treinados para isso da ACAR, eram os economistas do banco e mais a minha equipe da secretaria, Paulo Romano, João Ribeiro e tantos outros que estavam me ajudando.”
Após um período de crise econômica no governo federal, reconquistar a confiança dos agricultores virou uma epopeia. Foi só quando começaram a perceber as mudanças no cerrado e o entusiasmo na equipe de desenvolvimento. Logo apareceram mais de mil projetos inscritos no programa de financiamento. Para englobar todos os candidatos aprovados, foi criado o Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba (PADAP) em 1972.
O programa contou com o apoio do agrônomo Gervásio Inoue, colega de agronomia de Paolinelli. Gervásio Inoue foi presidente da Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC), empresa que apoiou a migração japonesa no Brasil.
“Gervásio eu não posso errar, porque isso é a reforma agrária que o Brasil nunca conseguiu fazer e nós vamos fazer. Eu quero que você me mande uns 30 filhos de produtores nipo brasileiros que estão nas propriedades de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, e aceitam trabalhar onde a propriedade é pequena”
Em troca, Alysson ofereceu 300 hectares na melhor área de Minas Gerais. Ele decidiu juntar os 36 agricultores que aceitaram com mais 36 agricultores mineiros para que houvesse transferência de tecnologia entre eles. A equipe escolheu uma área na região de São Gotardo, onde não prejudicaria os projetos de reflorestamento que já estavam em andamento. Porém, houve uma série de conflitos com as famílias locais detentoras da maior parte das terras. Foi questão de tempo e negociação para que os novos assentamentos se estabelecessem com sucesso.
O PADAP conseguiu 560 milhões de dólares para realizar vinte projetos no Brasil inteiro. A maior parte desses recursos veio da parceria firmada com Toshio Doko, presidente da Keidanren (Federação das Indústrias do Japão). Na época, era interesse da política internacional japonesa diversificar a produção agrícola para diminuir a dependência econômica de outros países. Foi quando surgiu a oportunidade de investir no Brasil.
Hoje Alysson Paolinelli relembra orgulhoso o resultado desses programas que levaram ao desenvolvimento das “melhores cidades do interior do Brasil, hoje, cidades belíssimas com gestão quase perfeita com saúde, escolas de medicina, universidades” em lugares onde não havia pesquisa, ciência e tecnologia. Essas áreas vazias eram escolhidas porque o valor das terras era menor, possibilitando o trabalho do assentamento.
“Eu quero que os jovens aprendam isso. Meu pai era um agrônomo, exigente! Botou pra mim muitos conceitos e hoje tenho a felicidade de ter podido ouvir aqueles conceitos, porque fazem parte da minha vida, fizeram parte da minha vida. Sempre valorizei a competência. Isso é muito importante, razão pela qual os meus projetos saiam do jeitinho que a gente planejava, porque todos eram competentes, ninguém estava ali para roubar.”
Aos 86 anos de idade, Alysson Paolinelli está trabalhando fora do Brasil com projetos em países africanos. Ainda segue sua luta defendendo a preservação dos biomas brasileiros, onde o papel da ciência é fundamental para impedir a destruição. Hoje já conta com apoio de mais de 300 cientistas da Embrapa.
De acordo com o agrônomo, o PADAP conseguiu proporcionar incrementos produtivos e tecnológicos entre 16 a 17% na agricultura brasileira, 842 mil propriedades enxergaram, aprenderam e usaram as inovações criadas, tornando-se os maiores produtores do mundo. Mas ainda restam quatro milhões e meio de propriedades, famílias abandonadas, que não conhecem a tecnologia, utilizam técnicas ultrapassadas ou são extrativas, não tem capacidade produtiva e de renda, não estão no mercado.
“O empresário brasileiro está muito bem estruturado, a Embrapa está passando dificuldades financeiras, eu fico bravo. A expressão que eu uso é que a Embrapa acaba com qualquer guerra, porque ela tem potencial, ela é a maior empresa de pesquisa na área tropical do globo. Estão brincando como se ela fosse um track na festa de São João. Ela tem 2600 doutores com pós-doutoramento, com a competência para fazer outras revoluções no Brasil, mas estão amarrados, estão botando burocracia em cima dela”
No final da entrevista, o ex-ministro Alysson Paolinelli deixa um recado para as gerações futuras. Ele acredita que os jovens podem reverter esse cenário participando dos espaços de decisão política. É necessário ampliar o sistema nacional de assistência técnica e extensão rural (SIBRATER) para que haja cooperação entre o governo federal, as universidades, as cooperativas e a iniciativa privada. Hoje existem mais de 450 escolas de agronomia e veterinária formando milhares de profissionais capacitados para atender a essas quatro milhões e meio de propriedades abandonadas no Brasil.
A equipe epopeia agradece esta participação especial e convida o leitor para enviar o seu depoimento. Venha fazer parte das nossas histórias.
Cesar Borges de Sousa
Uma referência extremamente positiva para a imagem brasileira! Saudades!