Almir e Isolete Ficagna

A Família Ficagna é pioneira da comunidade de Bela Vista em Luiz Eduardo Magalhães (BA). 

Isolete e Almir, um casal de agricultores no Oeste da Bahia, contam como se conheceram, se apaixonaram, se casaram e começaram a trabalhar na fazenda. Eles também falam sobre seus filhos, netos e os desafios que enfrentaram em sua vida juntos.

Isolete Ficagna nasceu na cidade de Cândido Rondon, no estado do Paraná. Aos nove anos de idade, chegou à comunidade de Bela Vista, que hoje pertence à cidade de Luís Eduardo Magalhães, juntamente com seus familiares, pais e avós. No início, tudo era muito difícil, pois a região era isolada, toda coberta de cerrado, mas aos poucos foram desbravando e plantando.

“Cheguei aqui muito nova. Como meu pai tinha apenas filhas mulheres, tivemos que trabalhar em casa e ajudar na lavoura. Enfrentamos muitas dificuldades, pois não tínhamos água encanada nem energia elétrica. Depois a gente cresceu e viu a necessidade de melhorar as coisas”

 

Entrevista com Isolete Ficagna

“A comunidade se reuniu e fez uma escola até a quarta série, as próprias mães dos alunos eram as professoras e merendeiras. A gente morava do lado, como não tinha cantina, eu fazia a merenda em casa e levávamos para a escola. Logo conseguimos ajuda da Prefeitura de Barreiras, porque ainda não havia nada construído em Luís Eduardo. Éramos uma verdadeira família.”

Em 1985, Isolete tinha catorze anos quando começou a namorar Almir Ficagna. Almir, sendo oito anos mais velho do que ela, sentia que precisava de uma companheira para trabalhar com ele na fazenda. Eles namoraram por dois anos antes de se casarem em 25 de julho de 1987.

Isolete lembra que eles começaram a namorar depois que Almir e sua família costumavam ir até a casa deles para tomar chimarrão. Em pouco tempo eles perceberam que se completavam em termos de pensamentos e interesses. Almir também comenta que sabia que valia a pena esperar por alguém que o completasse e que sem ela, ele não seria o homem que é hoje.

 

Casamento de Almir e Isolete Ficagna – Reprodução: Acervo da família

Almir Ficagna nasceu na comunidade de Pratinha, que pertencia à cidade de Espumoso, no estado do Rio Grande do Sul. Aos onze anos, seu pai, o senhor Anildo Ficagna, adquiriu terras na região de Venâncio Aires, próxima a Santa Cruz do Sul. Nessa região, a cultura agrícola predominante era o fumo. Apesar disso, seu pai plantou soja por sete anos, enfrentando dificuldades devido à falta de maquinário adequado para a cultura da soja na região.

Ouvindo de amigos sobre a existência de terras baratas no “Norte” do Brasil, seu pai decidiu vender suas terras e buscar essas áreas baratas. Em junho de 1980, eles embarcaram em um carro em busca dessas terras. A viagem durou mais de vinte dias, percorrendo cerca de treze mil quilômetros, guiando-se apenas pelo mapa guia rodoviário. O jovem Almir desempenhava o papel de navegador nesta epopeia.

 

Almir Ficagna – Reprodução: Epopeia do Agro

Ao chegarem em Brasília, foram até o Plano de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PAD/DF), onde encontraram vários amigos de infância, incluindo o senhor Constantino, com quem estudaram na juventude na cidade de Espumoso. Constantino mencionou a existência de terras baratas no estado da Bahia.

“Lembro-me claramente que, ao subir a Serra do Alvorada, a estrada ainda não estava asfaltada e havia muita poeira. Na chegada à Bahia, já havia asfalto. Quando entramos no estado da Bahia, cada quilômetro percorrido nos animava ainda mais, pois nunca tínhamos sonhado com uma planície tão extensa como aquela. Chegamos quase ao anoitecer e ficamos observando as luzes dos carros. Demoravam cerca de vinte minutos para ultrapassarem a gente, e aquela imensidão de terra plana era fascinante!” (Almir Ficagna)

Ao chegarem em Barreiras, hospedaram-se na casa de Constantino por dois dias. Visitaram as comunidades de Placas e Bela Vista, que ainda não tinham esse nome (eram conhecidas apenas como “gerais”). Precisando tomar uma decisão mais difícil, foram para um hotel, pois mudar do Rio Grande do Sul para a Bahia seria, sem dúvida, uma mudança significativa em suas vidas.

“Ficamos no hotel por três, quatro dias, e lembro-me que meu pai me chamava todas as manhãs, por volta das cinco ou cinco e meia, para dar um passeio. Eu me perguntava por que fazer isso, e ele respondia: ‘Para você ver como a experiência de vida faz a diferença’. Durante os passeios, quando encontrávamos pessoas mais velhas, ele parava para conversar. Lembro-me de um senhor que conhecemos, não me lembro seu nome, mas ele havia morado em Barreiras por mais de cinquenta anos. Ele nos contou que na região dos gerais, eles levavam o gado para se alimentar, e disse: ‘Tropeei gado lá nos gerais por uns trinta anos. Aqui em Barreiras, a chuva não é tão boa, mas nos ‘Gerais’ chove muito bem. Um detalhe: quanto mais próximo da serra, mais chuva tem.’ Um senhor com tanta idade e experiência, meu pai não teve dúvidas de que ele estava falando a verdade.” (Almir Ficagna)

 

Reprodução: Acervo da família

“Chegamos aqui em julho, época seca, e não havia nada plantado. A única coisa que vimos foram algumas terras nas margens da estrada, onde os tratores passavam, e lá havia uma planta de melancia que havia brotado. O senhor Constantino nos mostrou que, se a melancia estava nascendo em junho, era um sinal de que qualquer coisa que plantássemos ali daria certo.” (Almir Ficagna)

Apesar de terem pouco conhecimento científico, mas com muita experiência de vida no campo e a certeza de que chovia na região, eles decidiram fechar negócio, mesmo notando que o solo era diferente do que estavam acostumados, confiando na possibilidade de corrigi-lo. Enfrentaram várias dificuldades, como a falta de energia elétrica e os desafios de abrir áreas para o início das plantações. Ainda não havia água e tiveram que percorrer treze quilômetros para conseguir a fonte de água.

No início, Almir cultivava principalmente arroz devido à sua adaptabilidade a solos ácidos e baixa fertilidade. A soja foi introduzida na região nos anos 80, com variedades tropicais vindas do PAD/DF. Embora essas variedades crescessem muito, a produtividade era baixa por causa da falta de tecnologia. A comercialização também era um desafio, sendo feita por uma indústria em Pernambuco. Apesar das baixas produtividades, o custo era viável para o plantio de soja na época. 

 

Primeiras plantações de soja nos anos 1980 – Reprodução: Acervo da família

Com o passar do tempo, novas variedades de soja mais adaptadas à região foram trazidas da Embrapa, aumentando consideravelmente a produtividade. Nessa época a troca de informações entre os agricultores era essencial por causa da falta de acesso à tecnologia, eles compartilhavam entre si os experimentos bem-sucedidos. 

Não havia auxílio governamental e a agricultura na região foi um período de pioneirismo até 1985, quando houve uma maior inclusão de tecnologia. A busca por novas variedades e formas de plantar é constante, e os agricultores agora têm que se preocupar com doenças de solo e nematoides, plantando variedades resistentes a essas doenças.

A falta de capital limitava o crescimento da região, foi quando o gerente do Banco do Brasil, Pedro Guedes, ofereceu linhas de crédito para financiamento de algumas áreas, o que impulsionou o investimento e o crescimento. O protagonismo de Pedro Guedes já foi mencionado anteriormente nas entrevistas com Hilário Kappes e Antônio Guadagnin

Empresas, como as de fertilizantes e químicos, também começaram a acreditar na região e fornecer crédito, contribuindo para o crescimento. A empresa Bunge (na época, se chamava CEVAL) se estabeleceu na região e construiu armazéns, mas os agricultores também formaram uma cooperativa chamada Copergel, construindo seus próprios armazéns para receber os produtos. Conforme a região se tornava bem-sucedida, novas empresas começaram a se interessar.

Nos primeiros anos, o sucesso da região dependia da determinação dos agricultores, pois não havia incentivos financeiros. Almir reconhece que, quando chegaram à região jovens, não tinham noção do que estavam enfrentando, mas foram superando os desafios ao longo do tempo. Hoje, graças ao apoio da tecnologia, a nova geração de agricultores tem mais certeza da produtividade da terra e enfrenta desafios relacionados ao novo formato de produção de grãos. A região é considerada uma potência agrícola, onde tudo o que é plantado dá frutos. 

Nesta parte da entrevista, Almir e Isolete compartilham algumas fotos e lembranças da sua história como jovem casal de agricultores, desde o primeiro plantio de soja, em 1981, até seu casamento em 1987. Eles começaram sua vida juntos em uma fazenda com 90 hectares de terra limpa e o restante era uma floresta. Eles tiveram que trabalhar duro para sustentar a si e sua família em crescimento, mas nunca experimentaram uma colheita fracassada que impediria de pagar suas contas. Eles tiveram quatro filhos, e embora um tenha falecido, agora têm três filhos e quatro netos. 

“Desde que nos casamos, nunca perdemos uma safra completamente. Superamos juntos as dificuldades. No início, tínhamos apenas o necessário para viver, e nós mesmos realizamos as tarefas dos primeiros plantios, pois não tínhamos funcionários. Um ajudava o outro.”

Isolete mostra o primeiro barracão construído e o carro utilizado pela família na época. O casal conta sobre os momentos de diversão que tinham nos domingos jogando bola e bebendo cerveja. Eles também formaram um grupo de jovens que se encontravam uma vez por mês para se divertir, fazer jantares e apresentações de dança das fitas, manifestação popular típica no Sul do Brasil.  

A entrevista encerra com as fotografias do período em que Almir serviu o exército no 4º BEC – Batalhão de Engenharia de Construção responsável pelas estradas asfaltadas no trecho entre Barreiras e Ibotirama. A entrevista retrata a vida do casal na Bahia, com seus desafios, conquistas, diversão e momentos de união após 35 anos juntos.

 

4º BEC – Reprodução: Acervo da família

A história de vida de Isolete e Almir nos ensina sobre a importância da educação e do aprendizado contínuo. Apesar de ter estudado apenas até a quarta série, Isolete nunca desistiu de buscar novos conhecimentos e retomou seus estudos mais tarde para concluir a quinta e sexta série. Almir também é um exemplo de perseverança, tendo continuado a trabalhar na agricultura mesmo diante de obstáculos.

A família Ficagna é uma das pioneiras da comunidade de Bela Vista. Distantes da sua terra natal, convivendo com costumes diferentes, o casal foi acolhido pela população do Oeste da Bahia. Contribuíram para essa história de união e superação, servindo de inspiração para esse povo seguir em frente, mesmo diante das dificuldades. Hoje, sem dúvida, podemos dizer que a vista da Bela Vista é bela graças aos pioneiros que chegaram aqui e transformaram seus sonhos em realidade, proporcionando novos sonhos para as gerações futuras.

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