Lidia Maria de Souza

A agricultora Lídia Maria de Souza, natural do município de Espumoso-RS, revela sua jornada junto ao seu marido Constantino Catarino de Souza, desde Pérola d’Oeste, no Paraná, passando por Brasília até se estabelecer no Oeste da Bahia. A entrevista teve a participação de Beatriz Casali, anteriormente entrevistada pela equipe Epopeia do Agro.

Em 1974, a família decidiu ir para a capital brasileira devido a uma seca no Paraná. Tinham acabado de adquirir a primeira colheita e ainda não a haviam pago. Foi quando um parente conhecido ligou de Brasília e apresentou uma proposta irrecusável: “Vem para cá que aqui não existe ninguém conhece colheitadeira, vai ganhar muito dinheiro aqui”.

Dona Lídia precisou tomar a difícil decisão de deixar os filhos pequenos aos cuidados de Lúcia, a filha mais velha, que já era casada, enquanto Juarez estudava no colégio agrícola em Brasília. Ela detalha os desafios enfrentados para conquistar os lotes de terra, incluindo o árduo trabalho na colheita de arroz, enquanto cuidava da família e enfrentava a saudade dos filhos.

Com o passar dos anos, Juarez, certa vez, ouviu falar de uma terra: “Pai, o senhor que gosta da terra, é bom ir lá na Bahia. Dizem que lá a terra não vale nada. Ninguém quer, só querem a terra onde tem água, aí onde tem água tem um morador e o resto das terras está lá abandonada, ninguém faz nada, é tudo cerrado”.

Por volta de 1977 e 1978, Constantino, esposo de Dona Lídia, foi conhecer as terras em Barreiras. Na primeira vez, ele ficou hospedado em São Desidério, cidade vizinha, por 30 dias, sem mandar notícias do seu paradeiro para a família. A comunicação era difícil, não havia telefone, celular ou rádio. Quando Dona Lídia foi à Bahia encontrá-lo, Constantino já estava convencido: “A gente vai ficar aqui, vai pegar essas terras e nós vamos viajar para o Sul, trazer a gauchada para cá”. Foi o que fizeram, compraram 158 mil hectares para revender para agricultores do Sul. Tiraram fotos das fazendas, das plantações, das terras e aos poucos convenceram as famílias que migraram do Sul. 

De acordo com Beatriz Casali, houve um processo de colonização. As terras eram vendidas a preços muito baixos, relembra: “Era o valor de uma carteira de cigarro. Hoje é 20 reais uma carteira de cigarro, era mais ou menos esse valor de uma terra aqui nessa nossa região Bela Vista, Placas e Roda Velha”.

Essas terras, inicialmente consideradas sem valor, tornaram-se fundamentais para o desenvolvimento agrícola da região. A valorização das terras ao longo do tempo destacou o Oeste da Bahia como referência no agronegócio. Isso se deve ao esforço e dedicação dos produtores rurais pioneiros. 

Durante os anos 1980, Constantino desempenhou papel crucial nessa transição. Ele era responsável por receber as famílias que chegavam, vendendo as terras em abundância. As famílias eram atraídas pela proposta de adquirir terras por um custo acessível, vinham com a esperança de cultivar e garantir o seu patrimônio para as futuras gerações.

Quando a família de Dona Lídia chegou, o cenário era muito diferente de hoje. Era uma paisagem densa de cerrado, somente vegetação nativa. Foi necessário abrir estradas para acesso às fazendas. Beatriz Casali conta que o Senhor Constantino cedeu 250 hectares de terra para a construção de uma comunidade em Bela Vista. O senhor Casali e Almir Ficagna também permaneceram para ajudar na fundação. Porém, havia o problema de abastecimento de água que impedia a construção das casas, sendo necessário contratar serviços de máquinas vindas de São Paulo para ajudar na perfuração do poço artesiano. A sogra de Beatriz fez uma promessa para Nossa Senhora dos Navegantes pedindo água. Quando chegou, atribuíram o milagre à santa e fundaram a então Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes.

Local onde era realizado os cultos antes da construção da Igreja. Reprodução: Acervo Beatriz Casali

Quando a família da Dona Lídia chegou ao Oeste da Bahia, inicialmente, plantaram arroz e foram pioneiros na construção de um secador para o produto. Todos os agricultores levavam o arroz para descascar e vender.

No início do cultivo de arroz na Bahia, a mão de obra era composta principalmente por sulistas, gaúchos e paranaenses, pois os locais não valorizavam a terra e não tinham experiência na atividade agrícola. As famílias, cada uma responsável por sua terra, contavam com a ajuda dos próprios filhos, criando um ambiente de trabalho familiar.

Após aproximadamente um ano de plantio de arroz, iniciaram a plantação de milho e, posteriormente, o terceiro ano marcou o início do cultivo de soja. A introdução da soja se deu com a obtenção de sementes em Brasília, provenientes do PAD/DF- Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal. 

A logística para obtenção de peças e insumos era desafiadora, pois tudo precisava ser buscado em Barreiras, a única localidade mais desenvolvida na época. Barreiras ainda era uma cidade pequena, com aproximadamente 30 mil habitantes. As peças para manutenção das máquinas agrícolas eram importadas de Goiânia, e o transporte levava uma semana ou mais para a entrega.

Quanto à comercialização da soja, Dona Lídia recorda que nos primeiros anos, a produção era destinada a compradores locais, como os Coelho, que intermediaram a venda para empresas como a Ceval. Posteriormente, a Bunge tornou-se uma das principais compradoras.

A conversa destaca a limitação inicial na produtividade do arroz, devido à falta de correção de solo e às condições climáticas adversas. No entanto, mesmo diante de desafios como a seca, a persistência dos agricultores resultou em colheitas bem-sucedidas e contribuiu para o desenvolvimento da região.

Dona Lídia compartilha histórias desafiadoras e marcantes dos primeiros tempos em Luís Eduardo Magalhães. Ela destaca a coragem dos gaúchos que enfrentaram as adversidades, incluindo o calor intenso, a falta de infraestrutura e, até mesmo, a convivência perigosa com cobras venenosas. Não havia atendimento médico, a comunidade precisou se reunir para trazer do Sul o médico Dr. Kary, mais uma prova dos esforços para proporcionar melhores condições de vida na região.

“O pior mesmo era a estrada, não é mesmo? Era um sofrimento. Ficávamos na estrada, se chovia, não dava para voltar de Barreiras. Ficávamos na estrada, dormíamos na estrada, os carros atolavam, era muito sofrimento. Tínhamos que empurrar os carros, e quem tinha que fazer isso era eu, porque ele ficava no volante, não é verdade? Passamos por muitas dificuldades, mas sempre com a esperança de vencer. Sempre fui uma pessoa cheia de esperança, acreditando na vitória.”

Dona Lídia mostra sua criação de porcos – Reprodução: Epopeia do Agro

Ao final, dona Lídia destaca a importância de trazer experiências e conhecimentos para as gerações mais jovens, como os netos e bisnetos, que estão ingressando na agricultura. Essas histórias servem como lições valiosas sobre resiliência, determinação e superação diante dos desafios do pioneirismo na formação de uma nova comunidade agrícola.

A entrevista também destaca a figura de dona Lídia como uma mulher de negócios e uma líder forte em sua família. Sua história serve de inspiração, mostrando como ela desempenhou um papel crucial no início e no crescimento da região, deixando um legado duradouro para as gerações futuras.

A equipe Epopeia do Agro agradece a dona Lídia pela generosidade em compartilhar sua história e por contribuir para preservar a memória do desenvolvimento do Oeste da Bahia. Leia mais sobre a participação de Constantino de Souza em outras entrevistas emocionantes. Clique aqui para acessar a entrevista com Almir e Isolete Ficagna ou a entrevista com Beatriz Casali.

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