Cisino Lopes

Colaborou com o desenvolvimento regional por meio de conhecimentos acadêmicos e empíricos. A entrevista fala sobre sua formação, experiências de vida e transição para a carreira profissional, proporcionando insights sobre a história política e social do Brasil durante o regime militar.

José Cisino de Menezes Lopes nasceu em 1948 em Santa Luz,  antiga vila Bom Jesus do Vale de Gurguéia, no Piauí. Ele cresceu em uma família de agricultores, sendo um dos sete irmãos. A propriedade de seu pai era diversificada, com a produção de cana de açúcar, arroz, feijão, milho e um pequeno número de gado e ovelhas, principalmente para uso da família. Itens como querosene, sal e ferramentas agrícolas eram adquiridos através de compras, pois não eram produzidos na comunidade.

Aos 10 anos, teve seu primeiro contato com a escola, que, na época, era uma sala de aula única onde uma professora ensinava alunos de diferentes idades. Isso era comum nas áreas rurais do Nordeste brasileiro nos anos 1950. 

 “Umas das lembranças que tenho era quando chovia e criava as lagoas nas valas dos cânions do Gurguéia, vinham os vaqueiros com as boiadas e nós subíamos nas árvores para ver as brigas dos bois.”

Graças à preocupação de sua mãe com o futuro de seus oito filhos e as limitações enfrentadas na região, a família decidiu deixar o Piauí. Em 1958, uma de suas irmãs foi morar na então recém-criada capital do Brasil, Brasília, e enviou um dos filhos e uma sobrinha para, posteriormente, acompanhá-los na mudança.

No ano seguinte, em 1959, a família embarcou em uma jornada rumo a Brasília em um transporte conhecido como “pau de arara”, um veículo rústico utilizado para transportar pessoas dos vilarejos para os grandes centros urbanos. A viagem foi uma verdadeira odisséia, com duração de onze dias. Ele relembra com carinho a memória de ouvir a música “Pajeú” de Luiz Gonzaga durante a viagem.

“Minha mãe era muito estrategista, pegou uma lata de bolachas e encheu de paçoca, no fundo do caminhão fez um galinheiro e colocou as galinhas, pois não tinha onde comer na viagem que durou onze dias. Para a travessia no Rio Preto, em Santa Rita de Cássia, o caminhão ficava em dois barcos, um em cada lado,  que era puxado por uma corda. As pessoas tinham que descer e fazer a travessia nadando; o motorista quase morreu afogado pois não sabia nadar. Na passagem do Rio de Ondas, na cidade de Barreiras, após a travessia sobre a ponte ela caiu, pois a estrutura não suportou o peso do caminhão. “

Entrevista para equipe Epopeia do Agro em março de 2022 – Reprodução: Epopeia do Agro

A primeira parada da família foi em Cristalina-GO, onde o tio de Cisino trabalha com garimpo de cristais. Aos doze anos de idade, a família mudou-se para Anápolis, em Goiás, foi quando ele retornou para escola e conseguiu concluir o primeiro e segundo ano do ensino fundamental. 

Em 1971, a família se mudou novamente, desta vez para Sobradinho, no Distrito Federal. Cisino trabalhava durante o dia e frequentava a escola à noite. Seus primeiros empregos incluíram o trabalho como engraxate e depois como balconista na loja Fofi, o que exigia que ele pegasse dois ônibus para chegar ao trabalho em Brasília. Na época, o Brasil estava vivenciando o Golpe Civil-Militar de 1964, Cisino relata como afetou o seu cotidiano, com confusões nas ruas e protestos, inclusive a depredação de ônibus. 

“O pessoal conta uma história muito superficial, mas ela foi mais séria do que imaginam, quem vivenciou um pouco bem o problema que estava lá. Eu vivenciei aquilo desde o começo, os militares se instauraram e tomaram conta do poder e em Brasília ficou aquela confusão danada que todo mundo sabe a história, você não podia se aglomerar. Eu estudava, estudante era inimigo dos militares”

Em 1967, ele se alistou na Aeronáutica, e em 1972, após passar no vestibular da Universidade de Brasília (UNB), ele enfrentou um desafio significativo de equilibrar o trabalho na Aeronáutica com os estudos universitários. Durante o horário de almoço, ele também fazia um curso de inglês. 

“Eu trocava minha farda lá na escadaria do ministério de educação, eu saia do quartel fardado, tirava botava numa mochila para ir na UNB, não ia para a UNB fardado, não era ambiente para militar lá de jeito nenhum”

Cisino relata que houve uma repressão política com perseguição aos estudantes dentro da universidade. Algumas turmas foram impedidas de realizar a cerimônia de formatura e colação de grau, porque era proibido aglomerações. O próprio entrevistado relata que foi investigado pelos militares durante o período de estágio no Projeto RADAM – iniciativa do governo brasileiro na década de 70 para mapear e explorar os recursos naturais na Amazônia utilizando imagens de radar. Após esse período, Cisino conseguiu obter uma autorização do Exército Brasileiro para participar do projeto Rondon e, posteriormente, hospedar-se em Belém do Pará. O Projeto Rondon era uma ação dos militares que permitia que estudantes universitários visitassem o interior do país para conhecer a realidade dessas áreas.

Seu retorno a Brasília após o estágio o levou a outro estágio remunerado no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Concluindo seu curso de Engenharia Agronômica, Cisino teve a opção de trabalhar em Goiás, Acre ou na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF). 

Em 1º de fevereiro de 1978, ele chegou a Barreiras, na Bahia, com a função de trabalhar na implantação dos projetos de irrigação Barreiras Norte, Nupeba e Barreiras Sul/São Desidério.  Ele explica que a Codevasf desempenhou um papel fundamental na introdução da agricultura irrigada na área, permitindo uma produção contínua de alimentos ao longo do ano. Os primeiros agricultores atendidos pela Codevasf eram principalmente locais, e a agricultura inicialmente se concentrou em cultivos como feijão, arroz e milho. A mudança para a fruticultura veio posteriormente. 

Cisino Lopes durante uma palestra na Codevasf – Reprodução: Acervo Cisino Lopes

A Codevasf também estava envolvida na tentativa de angariar o Proálcool – Programa Nacional do Álcool – iniciativa do governo federal para intensificar a produção de álcool como combustível no Brasil. O programa surgiu na década de 1970 durante a crise mundial do petróleo, eram oferecidos incentivos fiscais e empréstimos bancários com juros abaixo da taxa de mercado para os produtores de cana-de-açúcar. O Banco do Nordeste chegou a financiar três empresas da região, mas a  tentativa de produzir cana-de-açúcar no cerrado não foi bem-sucedida devido às condições climáticas: “a  cana precisa de  períodos de chuva e sol,  no período de seca ela concentra o açúcar necessário para produção do álcool, mas não resiste mais de 6 meses nessas condições.”. Era necessária irrigação constante para continuar brotando as plantações de cana, o que era impossível sem o abastecimento de energia elétrica na região.

Na mesma época, a Embrapa estava desenvolvendo no PAD-DF em Brasília uma tecnologia para correção do solo, adubação e cultivo de soja. Os agrônomos Antônio Guadagnin e Hilário Kapes, levaram essas técnicas desenvolvidas para testar no Oeste da Bahia. O primeiro plantio de soja na região ocorreu por volta de 1980 e foi bem-sucedido, marcando o início da agricultura moderna no cerrado baiano.

O gerente do Banco do Brasil, Pedro Guedes, também desempenhou um papel importante ao financiar a cultura da soja quando outras instituições financeiras não aceitavam terras do cerrado como garantia. Os primeiros produtores que tiveram êxito nas suas produções rurais, conquistaram maior credibilidade e aos poucos foram atraindo famílias de outras regiões do Brasil. 

Após a desapropriação de terras para a construção da Usina de Itaipu (Paraná), os agricultores que foram afetados receberam indenizações. Com o dinheiro da indenização, muitos deles decidiram comprar terras na região de Barreiras, atraídos pela perspectiva de oportunidades na agricultura. Esses agricultores trouxeram novas técnicas de cultivo para a região.

A chegada dos agricultores gaúchos à região começou com a família de Constantino Catarino de Souza, seguida por outros como Adelar Cappellesso e Antônio Guadagnin. Eles compraram terras na região e começaram a desbravá-las gradualmente. A terra naquela época era acessível e, como mencionado pelo entrevistado, “a terra era barata”. No entanto, houve brigas e disputas por terras durante esse processo de ocupação.

O entrevistado destaca que a região não tinha documentação adequada das terras na época, e as pessoas muitas vezes usavam escrituras vagas ou imprecisas, o que gerava confusões. Cisino afirma que o governo da Bahia poderia ter desempenhado um papel mais ativo na regularização fundiária, mas não o fez.

Enquanto trabalhava na Codevasf, Cisino comprou um lote na Coaceral – Cooperativa Agrícola do Cerrado do Brasil Central. Ao longo dos anos, ele enfrentou desafios significativos, como a tentativa mal sucedida de plantar no projeto Plano de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER II) devido à falta de infraestrutura e condições ambientais adversas.

Cisino Lopes em frente a placa do PRODECER II – Reprodução: Acervo Cisino Lopes

Tive que comprar um caminhão, saía cinco horas da manhã e chegava seis horas da tarde, pois não havia estradas. Para construir os galpões, era necessário levar todo o material de construção de Barreiras até a Coaceral. Só tinha duas estradas de acesso por Barreiras que era quatrocentos quilômetros, ou por Corrente no estado do Piauí, essa opção somente nos períodos que não estivesse chovendo por causa da serra era intransitável por essa estrada.” 

Família de trabalhadores rurais dirigindo-se à Coaceral – Reprodução: Acervo Cisino Lopes

 O entrevistado também compartilha informações sobre como a Coaceral foi formada como cooperativa para gerenciar projetos agrícolas e a criação da Cotia Seinen para lidar com a gestão dos projetos da Prodecer (Projeto de Desenvolvimento do Cerrado). Ele destaca a importância de cooperativas para obter financiamento e gerenciar projetos agrícolas. A maioria dos agricultores eram descendentes de japoneses vindos da região de Londrina (Paraná) e São Paulo. Confira a entrevista com Adilson Sujuki, participante do projeto. 

Os primeiros agricultores da Coaceral na cidade de Formosa do Rio Preto – Reprodução: Acervo Cisino Lopes

Em 1999, José Cisino decidiu sair da Codevasf e entrou na AIBA – Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia. Ele se tornou um participante ativo nas comissões de criação dos Comitês de Bacia promovidos pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Chegou a ser conselheiro nacional dos recursos hídricos e participou de várias reuniões na câmara técnica de formação. Além disso, como diretor de irrigação e água na Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA), ele desenvolveu diversos projetos que contribuíram significativamente para o desenvolvimento da região oeste da Bahia. Ele menciona o seu envolvimento em questões ambientais, destacando a importância da gestão adequada dos recursos hídricos e a necessidade de equilibrar o uso da água para garantir a sustentabilidade a longo prazo da região.

José Cisino Menezes Lopes, personagem que colaborou com o desenvolvimento regional, com seus conhecimentos acadêmicos e principalmente empírico, fez desta região sua morada e criou raízes. Hoje colhe seus frutos graças à sua resiliência e perseverança. 

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3 Comentário

  • Carina Mariani Leite Lopes

    Bela história, contada com muito esmero pelo projeto Epopeia do Agro! Muito bons os registros das grandes contribuições dadas pelos pioneiros da nossa região, para a consolidação da agricultura no Oeste da Bahia.

  • Tiago Leite Lopes

    Orgulho de ter acompanhado de perto essa belíssima historia

  • Stela Maria de Almeida Mariani Leite

    O maior reconhecimento é a consciência do dever cumprido para com a Profissão , a Familia e a Sociedade. Parabéns, Cisino pela sua trajetória de vida e pelo respeito conquistado pelo seu trabalho.

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