Beatriz Casali

Beatriz Casali compartilha conosco a emocionante jornada de sua família ao descobrir as terras da Bahia em 1980. Originários de Campo Novo, Rio Grande do Sul, ela e Carlinhos, na época noivos, ouviram falar sobre terras acessíveis na Bahia por meio do senhor Celso Casali, seu sogro.

O senhor Celso Casali, após uma conversa com o senhor Paulo Schmidt, soube da disponibilidade de terras na Bahia a preços atrativos. Em agosto de 1980, Carlinhos, filho de Celso, acompanhado do pai, visitou as terras e conheceu Constantino Catarino de Souza, responsável pela venda na época. Em novembro de 1980, junto com a senhora Metilde e Celso Casali, chegaram à comunidade de Bela Vista, que hoje pertence ao município de Luís Eduardo Magalhães.

Celso Casali presenteou cada um de seus filhos com 1000 hectares de terras, apresentando a seguinte proposta: “vocês querem 1000 hectares de terra na Bahia ou 17 hectares de terras na cidade de Campo Novo, Rio Grande do Sul?”, pois os valores das terras eram equivalentes.

A Fazenda Santa Helena foi a primeira a ser medida e escriturada na comunidade. Em 1981, marcou-se o início do plantio de arroz com uma estrutura modesta, composta por um pequeno galpão e uma plantação em frente à casa. O momento mágico aconteceu quando o primeiro arroz brotou. Carlinhos admitiu que não tinha certeza se vingaria na terra de areia, tão diferente da região de terra vermelha de onde eles vieram.

“Um dia, Carlinhos me acordou gritando: ‘vem cá, vem cá’, e quando olhei, ele estava deitado na terra dizendo: ‘nasceu, nasceu….’ Então perguntei: ‘você não tinha certeza de que esse arroz iria nascer?’ Ele respondeu: ‘não tinha certeza, pois duvidei que, nesta terra com bastante areia, o arroz poderia nascer.'”

A falta de maquinário era um desafio. Carlinhos e Juarez, filho de Constantino, foram à Brasília arrematar um trator CBT 1970 em um leilão da Nova Cap. Com a ajuda de vizinhos recém-chegados, prepararam as terras para o plantio. O financiamento do plantio foi feito pelo Banco do Brasil, com o apoio do gerente Pedro Guedes.

“Com esse trator e muita vontade, começamos a desbravar o cerrado, pegando empréstimo no Banco do Brasil, graças à confiança do senhor Pedro Guedes. Ele acreditou em nós, gaúchos recém-chegados à Bahia, e nos deu o suporte necessário.” 

Noites a fio, Beatriz e Carlinhos eram operadores incansáveis do trator, gradeando a terra para preparar o plantio. Os desafios eram grandes, mas contavam com a ajuda de funcionários dedicados e a coragem de enfrentar o cerrado cheio de raízes. Plantaram os primeiros 100 hectares de arroz, e a experiência foi tão positiva que buscaram mais financiamento para plantar outros 50 hectares naquele mesmo ano.

Beatriz Casali durante a entrevista com a equipe Epopeia do Agro

Beatriz destaca as dificuldades enfrentadas na busca por água, todo sábado eles percorriam um trecho de 14 km através do cerrado, carregando tambores de 200 litros com um trator e uma carreta atrás. A falta de estrada e água potável eram apenas alguns dos obstáculos que a família superava para conseguir cozinhar, lavar roupas e cuidar das lavouras.

Nos primeiros anos, Beatriz assumiu diversas funções, como cozinheira, lavadeira, operadora de trator, e tudo o que fosse necessário. A chegada dos filhos, Leonardo em 1985 e Nicolas em 1987, trouxe ainda mais desafios e responsabilidades:

“A solidão de viver distante de tudo e todos deixou uma marca profunda em minha vida. Morar na fazenda significava enfrentar uma solidão imensa, sem TV, sem visitas, e ninguém por perto. Essa experiência foi especialmente desafiadora para mim e para muitas mulheres que viveram nas fazendas no início.”

Ao visitar as fazendas dos conhecidos aos domingos, Beatriz experimentava uma felicidade sem fim. No entanto, a solidão persistia, em contraste com a vida no Sul, onde havia TV, rádio e mais. Com o tempo, ela comprou um radinho motorádio com antena improvisada, sintonizando na rádio nacional da Amazônia para ter companhia. A realidade rústica, a solidão e a distância fizeram com que alguns desistissem e retornassem, mas para muitos, a dúvida não era tanto sobre plantar ou colher, mas sim sobre enfrentar a solidão no oeste baiano.

Beatriz é a segunda de cinco irmãos, nascida em uma família de agricultores com uma linhagem de 350 anos na Alemanha. Após a mudança dos pais para Brasília em 1984, ela foi a pioneira na mudança para comunidade de Bela Vista, enfrentando não apenas a solidão inicial, mas também a escassez de água devido à proximidade com a serra. A profundidade do lençol freático dificultava a perfuração do solo por máquinas, as ferramentas quebravam levando alguns moradores a deixarem Bela Vista.

O senhor Constantino, proprietário de 250 hectares de terra na comunidade da Bela Vista, tinha planos de vender lotes para financiar a construção de uma escola e um clube na região. A solução para o problema da falta de água veio quando o senhor Casali e o senhor Arnildo Ficagna decidiram negociar com o senhor Constantino. Eles concordaram em ficar com metade cada da comunidade da Bela Vista (125 hectares para cada um) e assumiram a responsabilidade de perfurar um poço. Importaram uma máquina de perfuração de poços de Araçatuba-São Paulo, enquanto o senhor Casali adquiriu um motor robusto no Rio Grande do Sul para alimentar o gerador da bomba de água.

“Dona Matilde Casali, minha sogra, fez uma promessa para Nossa Senhora dos Navegantes, comprometendo-se a enviar uma Santinha para cá se encontrassem água e se tudo desse certo. No ano seguinte, após a conclusão do poço, ela cumpriu sua promessa enviando a Santinha, que permanece até hoje em uma capelinha, numa grutinha aqui na Bela Vista”

Beatriz segura a imagem da santa na capela - Reprodução: Acervo Beatriz Casali

A comunidade perseverou e construiu não apenas um clube, onde inicialmente se reuniam debaixo de uma árvore para rezar, mas também uma igreja dedicada a Nossa Senhora dos Navegantes, cumprindo a promessa feita por dona Matilde Casali. A devoção à padroeira tornou-se parte integrante da comunidade.

Beatriz destaca a surpreendente transformação da região desde os anos 80, quando a falta de estrutura e tecnologia era evidente. O sonho inicial de muitos, que era ter uma terra para plantar e criar uma família, evoluiu para algo além das expectativas, transformando o cerrado baiano em uma área próspera e cultivável.

A entrevista destaca a evolução tecnológica na agricultura do Oeste baiano, especialmente na Bela Vista. Beatriz ressalta a mentalidade aberta dos agricultores locais para adotar tecnologias avançadas. A região alcançou um nível de tecnologia de ponta, fundamental para o desenvolvimento agrícola. Ela destaca a importância de se adaptar ao solo arenoso da região, investindo em tecnologias como perfilagem do solo e aivecas. Beatriz também menciona o apoio de agrônomos, empresas e da Embrapa na busca por variedades de culturas mais adaptadas.

A entrevista destaca a evolução estrutural da fazenda ao longo dos anos, com investimentos em silos, galpões e tecnologias mais avançadas. A introdução de secadores modernos, automação e caldeiras representa uma mudança significativa em comparação com as práticas antigas. A conversa também aborda a transição de práticas manuais, como ensacar e transportar grãos manualmente, para processos automatizados e mais eficientes. A modernização das operações agrícolas é evidente na tecnologia de secagem, armazenamento e transporte de grãos.

A transição do cultivo de arroz para a soja na fazenda foi marcada por desafios financeiros e logísticos. No primeiro ano, a estratégia foi focar no plantio de arroz, uma cultura que não exigia a mesma correção do solo. Foi somente no terceiro ano que começaram a plantar soja, após conseguir financiamento para a compra de calcário por meio do Banco do Brasil. A introdução da soja na fazenda representou uma mudança significativa, mas inicialmente a produção era limitada, obtendo cerca de 15-20 sacas por hectare.

A entrevista destaca a importância das parcerias comerciais para a venda da soja. Inicialmente, a soja era enviada para Petrolina (PE) e posteriormente vendida para Olvebasa em Barreiras (BA) e a Ceval em Mimoso do Oeste (BA). O transporte da soja era uma tarefa desafiadora devido à falta de infraestrutura, mas estratégias como espalhar a soja em lonas para reduzir a umidade eram empregadas para atender às exigências do mercado.

Primeiras colheitas com grãos armazenados nas lonas - Reprodução: Acervo Beatriz Casali

Beatriz também ressalta a criação de cooperativas, como a Copergel, que proporcionaram uma alternativa para a comercialização da soja fora do estado da Bahia. O desenvolvimento tecnológico na fazenda foi gradual, com a introdução de colheitadeiras, e a infraestrutura para o cultivo e processamento da soja evoluiu ao longo do tempo.

A conversa oferece uma visão única do desenvolvimento agrícola na região, com ênfase nas transformações estruturais e nas práticas agrícolas ao longo do tempo. Beatriz expressa sua gratidão pela oportunidade de compartilhar essas histórias e preservar a memória do pioneirismo na agricultura do Oeste baiano.

A história de Beatriz é marcada por desafios, coragem e a determinação de construir uma vida em um território completamente diferente do que estava acostumada. A entrevista revela o profundo amor pela terra, pelo esposo e pela família, destacando a influência do pioneirismo e da coragem transmitida pelos antepassados.

Ao chegar ao Oeste baiano aos 17 anos, Beatriz enfrentou a falta de água, a solidão e as dificuldades decorrentes da fronteira agrícola inexplorada. A escassez de recursos básicos, como água, tornou-se uma experiência dolorosa, contrastando com a abundância que estava acostumada em sua terra natal. A solidão, muitas vezes prolongada por semanas, também foi um desafio que ela e outras mulheres enfrentaram com resiliência.

A entrevista destaca o papel fundamental das mulheres na adaptação e sobrevivência na fazenda. Elas não apenas desempenhavam funções práticas, como cozinhar e cuidar da horta, mas também compartilhavam experiências e se apoiavam mutuamente em situações de emergência, como partos e cuidados médicos. A solidariedade entre as mulheres foi uma força motriz que as ajudou a superar as adversidades.

A construção de uma família e a continuação do legado são fontes de gratidão. O orgulho maior de Beatriz é ver seus filhos e netos envolvidos na fazenda, demonstrando uma continuidade na paixão pela agricultura. 

Beatriz Casali (no centro) junto com a família em evento social

“Minha neta Mariana tem 10 anos, ela fala assim ‘vó, vamos parar e vamos olhar a lavoura’. Ah, me enche o coração de alegria, esse é o fruto maior hoje na minha vida!”

Ela destaca que a agricultura não é fácil, envolvendo incertezas e dependência de fatores externos. No entanto, é fundamental cultivar o empreendedorismo na vida do agricultor e a necessidade de se especializar para enfrentar os novos desafios do setor.

Beatriz Helena Casali, uma mulher de força e sabedoria, compartilha seu conselho valioso para as mulheres e meninas da nova geração. Ela destaca a importância de ter muita garra e amor na vida, incentivando-as a perseguir seus sonhos e enfrentar desafios com o coração e a mente abertos. 

O recado final é claro: na vida, nada é de graça, e para alcançar o que se deseja, é necessário lutar, correr atrás e ter a força e a coragem necessárias para para transformar uma terra desafiadora em um lar próspero. A Fazenda Santa Helena é mais do que uma propriedade; é um legado construído com suor, determinação e amor.

Explore as fotos do acervo da Fazenda Santa Helena no site, compartilhadas por Beatriz Casali. Registrando momentos marcantes, desde a construção do primeiro galpão até as colheitas iniciais de arroz e soja em 1982, as imagens revelam a evolução da fazenda, momentos familiares e eventos especiais. Testemunhe as conquistas, desafios e união que moldaram essa história única ao longo dos anos.

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